quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Sem rumo

Esperança corria, seus pulmões ardiam, cada respiração um suplício, suas pernas gritando a cada passada, o corpo inteiro em dores, a salíva espessa na boca, a sede assassina.

Mas Esperança corria, mente sobre o corpo. Apenas a vontade de viver a mantinha em movimento. Ela já não sabia que distância havia percorrido, por quanto tempo correra, mas sabia que não poderia parar.
Sentia os perseguidores incansáveis em seu encalço. Não ousava olhar para trás, um descuido, um desequilíbrio, um tropeço, e estaria morta.

O mundo ao seu redor somou-se ao seu corpo na luta para faze-la parar, adicionando obstáculos como os galhos de árvores que chicoteavam sua pele, no  corpo inteiro, as raízes das árvores, que agarravam-se a seus pés, os espinhos da mata, que fustigavam seu corpo e agarravam-se a suas roupas. O temporal, fazendo-a escorregar e quase cair.
Tudo isso e as dores, as inclementes dores que percorriam seu corpo inteiro, as câimbras, as torções, os arranhões, a exautsão.

Mas ela não podia parar.



Ou podia?

Parar não parecia mais uma escolha imbecil, precisava descansar afinal, não podia mais continuar. Só por alguns instantes, para recuperrar o fôlego.

E então, sem mais, ela parou, encostou a palma da mão em um carvalho antigo, sentindo a aspereza do tronco em sua pele, a camada de fungo esfacelando-se sob o peso da mão.
Respirou profundamente, absorvendo todo o ar que podia, desesperada como um afogado, enchendo os pulmões de júbilo e de dor devido ao esforço descomunal. A torrente de água da chuva tamborliva sobre seu cocoruto, e escorria por sua pele em riachos até os cantos de sua boca, e ela nem mesmo percebeu que estava sorvendo daquela dádiva dos céus.


E foi então que alcançaram-na, e foi assim que Esperança morreu.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Amor sem fronteiras

O trotar enigmático de Adalberto quase entregava as suas intenções. Por entre as vielas escuras e úmidas de Saint Tobias, maior cidade de Nova Australiana, ele seguia. Seu sobretudo o cobria totalmente, ocultando a ereção incontrolável que transformava o seu modesto pênis em um estupendo trovejo sexual, enérgico e estuporante. Ao longe, avistou a sua presa.




A pequena e cálida Melanie, que zanzava pelas ruas em seus devaneios lúdicos, seguia com inocência, contando o número de luzes nos poucos e esparsos postes. Divertia-se encantadoramente; seu sorriso solitário o era apenas fisicamente - estava acompanhada por seus amigos imaginários, que muitas vezes se confundiam à realidade chuvosa e cinzenta.

- Christopher, olhe ali! Aquela lâmpada pisca feito um vagalume! - disse ela ao rapaz loiro de vinte e tantos anos que estava ao seu lado (pelo menos para ela)

O rapaz olhou para cima e sorriu um sorriso contido, que sequer denotava felicidade. Melanie correu e deu voltas em torno do poste, sentindo a chuva suja cair em sua testa, a mão segurando o cilindro negro e coberto por gotas. Dava risadinhas suaves e por demais femininas.



Adalberto a avistou. Sabia da condição de Melanie, sabia de seus lapsos quase oníricos mesmo quando acordada. E se aproveitaria disso, sem pena alguma. Tirou de seu bolso um excêntrico chapéu de palhaço, contendo duas antenas e um nariz avermelhado, e o colocou em sua cabeça. Trotou sem ser cordial: "vou te transformar numa trepadeira, sua vagabunda lacrada do caralho", pensou. Silenciosamente se pôs atrás dela, que agora vislumbrava o leve tocar de seus frágeis dedos em uma poça d'água imunda. Para ela, as bitucas de cigarro que ali estavam eram como ilhas em meio a um oceano negro; a moeda submersa era um navio naufragado e o chiclete mastigado um iceberg encantador.



- Olá, amiguinha! - disse o homem com uma voz proposital e comicamente desafinada. Forçava um sorriso tolo; suas bochechas se forçavam para cima, criando uma figura que oscilava entre o amedrontador e o engraçado. Melanie abriu um sorriso, acreditando ser Adalberto um de seus novos amigos. O rapaz loiro agora se esvaíra.

- Olá! - os cabelos loiros iluminavam o lugar, mais até que os moribundos postes daquela vizinhança esquecida.

- Sou o seu novo companheiro! Posso brincar com você?

Ela sequer dava importância às rugas, aos escassos e ralos cabelos brancos ou ao óculos fundo de garrafa dele. Apenas sorriu e balançou a sua cabeça positivamente.

- Você sabia que eu sou um esconderijo? - continuou ele.

- Esconderijo? Como assim?

- É! Eu sou como o porão de uma casa antiga. Se você passar pela minha porta, poderá descer as minhas escadas e encontrar um monte de brinquedos legais.

- Nossa, que bacana!

- Você quer conhecer os meus brinquedos?

- Quero sim!

- Mas tem um problema: a minha porta não se abre debaixo de postes. Vamos ali debaixo daquele toldo - e apontou com a cabeça para um canto envolto pelo breu, onde os postes jamais alcançariam.



Uma vez lá, ele pediu para Melanie fechar seus olhos, ordem imediatamente acatada. Adalberto abriu o seu sobretudo - nada havia debaixo dele, a não ser a sua vergalha venosa urrando de tesão. Sua benga, seu caralho, jeba, trombote, picarelho, estrovenga, jiromba, ensandecida pelo fulgor macio de sua por-vir-amante. Envolveu-a, cobrindo-a com sua vestimenta, como se fosse uma cabana. Lá estava ela, próxima de seu pau atroz e esfomeado. Ela riu aquelas risadinhas que apenas as inocentes possuem, sem saber o que estava acontecendo. Ele ordenou, guiando-a com sua mão:

- Para descer as escadas é preciso lamber o pirulito.

Ela seguiu as instruções, envolvendo o pênis de seu amigo com as mãos e então pousando sua pura língua no órgão sujo. Ao cobri-lo com sua boca, Melanie sentiu-o atingir a garganta com violência. Adalberto a segurava pela cabeça, forçando o seu sexo na boca da garota. Ela engasgava. Ela chorava. Ele se deleitava, secretamente torcendo para que ela o mordesse e o fizesse sangrar, o que não aconteceu. Sufocou-a com tesão, a porra toda na garganta de Melanie, já azul e inanimada.



Guardou-a em um latão de lixo próximo. Voltou no dia seguinte e a desvirginou, sem nem se importar com os ratos que trotavam ao seu redor.

terça-feira, 21 de julho de 2009

A Trilogia Ébria - Parte I – Imutável e inconsequente.

Dentre todas as possibilidades, a mais absurda se concretizou. Após mais uma semana de intenso labor, os ânimos se encontravam desgastados para o nosso protagonista. Hideo, um simpático descendente de japoneses, contava os minutos para as dezoito horas, momento onde deixaria o seu cubículo infestado de tristeza e papéis para jogar fora - pelo menos temporariamente - as algemas do mundo corporativo. A companhia nefasta de seu gerente de vendas nada mais seria do que uma lembrança inconveniente em seu breve momento de lazer, mas isso não seria um problema.

Exatamente às seis horas da tarde Hideo recolheu seus pertences, desligou seu computador já amarelado devido ao desgaste e se dirigiu a saída do escritório onde trabalhava, sem nem ao menos se despedir de ninguém. Sentia repulsa só de imaginar que teria de ouvir aquelas vozes insuportáveis na próxima semana. Mas agora era o momento para esquecer tudo. As reuniões infindáveis e supérfluas, a fadiga, a constante sensação de estar perdendo momentos preciosos de sua vida, tudo ficaria para trás. Agora era a hora de confabular e bebericar com seus confrades, escudeiros da esbórnia semanal.

Eram um grupo de ébrios, boêmios, arautos da intelectualidade senil. Suas facetas se revelavam a cada copo de cerveja, mostrando o vigor e a vivacidade que inexistiam quando presos ao cinza das obrigações frívolas que exauriam quaisquer traços de felicidade. O cotidiano se fazia distante quando inebriados pelo mais puro lúpulo, cevada e malte. Acompanhando Hideo estavam Jorge, Frederico e Kleber, amigos de longa data que cultivavam interesses em comum, em especial o apreço pela degustação descompromissada dos finais de semana. Suas histórias entretinham ouvintes, que, incrédulos com tamanhas peripécias, se sentiam influenciados pelos trovadores embriagados. Por muitas vezes lembravam-se de quando que encantavam raparigas, desafiavam autoridades, matutavam sobre assuntos diversos e submetiam suas vidas ao perigo mortal. Sim, perigo mortal, caros leitores.

Não foram poucas as vezes que se viram em situações que poderiam findar suas vivências. Houve aquela em que, após duas garrafas de vodka, decidiram se dirigir ao parque de diversões que se alocava no terreno baldio no subúrbio da cidade para demonstrar suas habilidades nos carros de choque. Apesar da velocidade controlada o grupo conseguia desafiar a foice da morte, expondo seus frágeis corpos a possíveis fraturas ao deitarem nas áreas de impacto dos carros enquanto seus parceiros os guiavam freneticamente em direção a qualquer objeto em seu caminho. Quando os controladores do brinquedo percebiam o que estava a acontecer já era tarde demais. Sempre alguém acabava por rasgar algum membro de seu corpo, porém o fim da vida não os encontrava. Outra vez, depois de terem ingerido uma solução etílica que consistia de tequila, álcool de cozinha e cachaça artesanal, penderam um trator - que haviam furtado em uma fazenda nos arredores da cidade - em um barranco enlameado, deixando-o suspenso a uma altura de doze metros. Riam e bradavam, ao passo em que o veículo titubeava em direção ao chão pedregoso. No último instante saltaram para o chão, assistindo ao infortúnio do maquinário de outrem. Mas o maior perigo vivido até então se dera na noite de hoje, após a infindável semana laboriosa.

Com a percepção alterada devido ao consumo excessivo de inúmeras bebidas alcoólicas, a ideia de danificar cabos condutores de eletricidade parecia adequada a uma noite calma e tediosa como aquela. Dirigiram-se à estação central da cidade, driblaram a segurança pífia e seguiram para os geradores principais furtivamente. Apesar de seu estado calamitoso, o grupo conseguiu manter a discrição ao adentrar o perímetro da estatal. Frederico, o mais velho do bando, tomou a dianteira e encontrou um painel que julgou ser indispensável para o funcionamento da estação. De fato estava correto, visto que, ao arrombar a portinhola que protegia o equipamento e banhá-lo com cerveja quente, o mesmo gerou uma queda de energia nos arredores. Hideo, em seu ímpeto embriagado, seguiu ao cabo de luz mais próximo que encontrou e o puxou, arrebentando-o com facilidade, já que o fio escolhido possuía uma espessura irrelevante. Parte dele continuava afixada no gabinete em que se encontrava a altura do peito de Hideo, e a outra jazia a dois passos de distância. A falta de energia agora açoitava a muitos, porém para os arruaceiros aquele momento era o esplendor da excitação inconsequente e sem causa. O grupo se encontrava disperso, cada um vandalizando à sua maneira. Nem parecia o grupo que, noites atrás, se contentava com algumas garrafas de cerveja e discussões acaloradas sobre filosofia, existencialismo e culturas diversas. Após alguns instantes de arruaça solitária, se encontraram novamente no painel encharcado por cerveja. Kleber trazia em seus braços um vira-lata morto, já em estado de decomposição, fétido e asqueroso, e o jogou no chão entre os outros rapazes. Ele não conseguia disfarçar o prazer em profanar o pobre canídeo. Jorge e Frederico sentiram repulsa com a atitude de Kleber, porém Hideo compartilhou do regozijo funesto de seu comparsa.

Em uma atitude que deixaria ativistas indignados, o nipônico recolheu o corpo inanimado do cachorro e o levou até a parte do cabo que se encontrava fixa no painel inutilizável. Abriu a boca do animal e, grosseiramente, enfiou na garganta o cabo que ali pendia, enquanto buscava a outra parte para fincar no esfíncter retal do cadáver em suas mãos. Hideo gargalhava e brincava com o corpo que balançava preso em suas extremidades. Frederico e Jorge ficaram aterrorizados com as atrocidades de seu amigo, que sempre demonstrou educação impecável, mesmo quando em um estado deplorável devido à bebida. Parecia possuído por alguma entidade diabólica, porém eles sabiam que não era o caso, por desacreditarem em fantasias mundanas. Enquanto Hideo dava tapas no animal, os outros rapazes perceberam uma movimentação ao longe e ficaram em estado de alerta. Viram um vulto por entre a bruma e empalideceram, prevendo o futuro próximo, onde seriam capturados e presos por baderna e destruição de bens públicos. No entanto, suas previsões estavam foscas como a neblina, e nem se equiparavam com o que estava por vir. O japonês ignorou os avisos de seus companheiros e continuou a desrespeitar o defunto decomposto do cão, desta vez fazendo furos e rasgos na pele com seu canivete suíço. No exato momento em que Hideo fincou o objeto na garganta do cachorro, um estouro de proporções colossais o fez cair ajoelhado no chão, incapaz de gritar ou de esboçar qualquer reação, como por exemplo, largar da lâmina em que segurava. A energia havia voltado na região, graças à conexão canina feita pelo bêbado. Seu azar foi estar em contato com o corpo condutor no momento em que a eletricidade retornou. Os olhos cerrados do oriental estavam esbugalhados, o globo ocular adquiriu tonalidades rúbeas e seu corpo se contorceu de modo avassalador. Faíscas reluziam o ambiente e fumaça saía por todos os poros de Hideo. Estava carbonizando na frente de seus amigos, impotentes perante a terrível situação. O show de horror findou quando os ébrios restantes viram uma caixa de madeira voando por cima de suas cabeças e acertando o que antes era um vira-lata. O cabo se soltou e a energia não teve mais por onde ser conduzida. Tanto o cão quando o humano estatelaram no chão com um baque surdo. Não havia o que fazer, não havia quem salvar. Hideo estava morto, carbonizado em frente aos seus amigos.

Três guardas noturnos chegaram ao local da tragédia e imediatamente renderam os companheiros do finado, sem nem se preocuparem com o corpo que jazia e chamuscava logo à frente. Morto é morto, e os vivos é que têm que ser punidos. Tinham destruído um patrimônio do estado, e levado ao breu centenas de milhares de pessoas, causando prejuízo a empresas, entidades públicas e propriedades privadas. Apesar de não existirem registros fílmicos dos vândalos adentrando a estação, tinham sido pegos em flagrante, dificultando as chances de saírem inocentados. Kleber, Jorge e Frederico estavam estupefatos, petrificados diante da imagem de um Hideo irreconhecível. Logo ele, o autor de inúmeras peripécias, arauto do ufanismo ébrio, morto. Boa parte de suas histórias tinham início a partir das ideias do oriental, sempre descompromissadas, mas garantindo entretenimento durante toda a noite. A “sociedade destilada” estava desfeita. Havia, naquele momento, virado cinzas, assim como um de seus mais entusiasmados participantes. A incredulidade assolava aos rapazes de forma tão devastadora que nem perceberam a sua chegada à delegacia. Suas vidas haviam chegado ao fim. Hideo os fitava, impotente.

Termina aqui a primeira parte da Trilogia Ébria. Em breve, o segundo capítulo, dando um novo enfoque à narrativa. Aguardem.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O fim do consumismo.

Você estava deitado na cama do hospital, todo perfurado por agulha e tubos, e apenas as máquinas o separavam da morte, o quarto, onde apenas você jazia, estava escuro, em contraste com o corredor iluminado, por onde passeavam os seguranças do hospital.

Seu desejo é andar, mas faziam anos que suas pernas rechonchudas não o erguiam mais, na verdade, fazia tanto tempo que você nem lembrava mais como era andar, muito menos correr; cada perna pesando 60Kg, e as veias entupidas de pus e gordura, seu corpo não passava de carcaça mantida viva apenas pelos cuidados alheios.

Com algum esforço você ouve murmúrios do lado de fora do quarto, e observa uma sombra chegando mais perto, e então no vão da porta você vê uma silhueta, irreconhecível a princípio, mas assim que o ser deu dois passos a frente você o reconheceu como Ronald Mcdonald, e nesse mesmo instante Ronald saca uma faca, você aperta o botão que por anos usou para chamar as enfermeiras para limpar sua bunda, já que você não a alcançava.

Ronald então sobe na sua cama, com um olhar calmo, como se isso fosse tarefa cotidiana, você se desespera, tenta berrar, mas apenas gemidos e grunhidos saem do tubo em sua boca, com os olhos arregalados de puro pavor você procura pelos seguranças na porta, eles estão lá, mas tudo que eles fazem é fechar a porta, tornando o quaro ainda mais escuro.

O desespero toma conta, e você tenta, em vão, se livrar do palhaço que está sobre você, mas suas pernas não obedecem, apenas a banha se meche como gelatina, você sente Ronald se aproximando, e tudo que você consegue fazer para salvar sua vida é chorar e balançar a cabeça, e então lentamente a faca entra em seu coração enquanto você respira cada vez mais rápida e brevemente, Ronald aproxima-se e apenas sussurra "Shhh, Shhhhh, Shhhh, já vai passar", e por falta de forças, sua respiração vai diminuido, até que som algum emane de seu corpo, e seu olhar fique vidrado em algum ponto no teto do quarto.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"M" de "Fudeu!"

Penélope Cruz disse, certa vez, após assistir Zorra Total, num sábado em que não foi a Miami:

MUNDO MODERNO

Mundo moderno, marco malévolo, mesclando mentiras, modificando maneiras, mascarando maracutaias, majestoso manicômio. Meu monólogo mostra mentiras, mazelas, misérias, massacres, miscigenação, morticínio - maior maldade mundial.
Madrugada, matuto magro, macrocéfalo, mastiga média morna. Monta matungo malhado munindo machado, martelo, mochila murcha, margeia mata maior. Manhãzinha, move moinho, moendo macaxeira, mandioca. Meio-dia mata marreco, manjar melhorzinho. Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria morena, momento maravilha, motivação mútua, mas monocórdia mesmice. Muitos migram, macilentos, maltrapilhos. Morarão modestamente, malocas metropolitanas, mocambos miseráveis. Menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo. Metade morre.
Mundo maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares mandões, meretrizes, marafonas, mocinhas, meras meninas, mariposas mortificando-se moralmente, modestas moças maculadas, mercenárias mulheres marcadas. Mundo medíocre. Milionários montam mansões magníficas: melhor mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania, mordomo, Mercedes, motorista, mãos... Magnatas manobrando milhões, mas maioria morre minguando. Moradia meia-água, menos, marquise.
Mundo maluco, máquina mortífera. Mundo moderno, melhore. Melhore mais, melhore muito, melhore mesmo. Merecemos. Maldito mundo moderno, mundinho merda.

Chico Anysio

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Ode à desordem

Faço parte da multidão esfacelada.
Admiro a ebriedade, o escárnio e a libertinagem.
Faço das bolas, instrumento hedonista.

Gosto de você.

Mas te quero morto. Submerso em uma vasilha de caninha 51.

Seria uma boa idéia.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Uma viagem do baralho - Parte I

Era o último dos dias de aulas noturnas naquela semana. A aura de expectativa pairava sobre dezenas de jovens mentes que adoram se auto-pronunciar "criativas". Tolos esperançosos, digo eu. O conteúdo acadêmico daquela sexta-feira marcante seria ignorado com louvor em prol de um bem maior: o clássico devaneio etílico disfarçado de capacitação profissional. Interesses em comum ocupariam o mesmo teto sob rodas dentro de alguns instantes. Publicitários ébrios e inconseqüentes fariam da BR-101 a sua festividade máxima daquele já finado semestre.

Pouco faltava para a partida do ônibus e os preparativos tinham que ser agilizados. Deslocamo-nos à drogaria mais próxima a fim de comprar a salvação de muitos boêmios descontrolados: o engov. Ao retornar, assentamo-nos em nossos lugares e observamos, de cima, casais apaixonados se despedindo, onde as partes que não embarcariam na cruzada clamavam por fidelidade. Partimos.

Ainda dentro dos limites geográficos de nossa cidade, abrimos garrafas do melhor vinho a cinco reais já criado, cultivado em campos largos na região sulina da nossa terra brasilis. Compartilhamos (ou tentamos compartilhar, não me recordo ao momento) alguns copos com algumas das donzelas simpatizantes que se encontravam próximas a nós. Degustamos e regozijamos com louvor o elixir sagrado de Baco, sentindo em poucos minutos o efeito inebriante como conseqüência. A ignição havia sido ativada, não havia mais retorno.

Conversas ainda comportadas, porém divertidas, eram a ordem no momento. Triálogos - e porque não quadriálogos ou pentálogos - sobre o injusto e falso mundo da publicidade e outros assuntos hoje dispensáveis fizeram a pauta por diversos minutos. Até que, uma parada em uma metrópole mudou totalmente o curso da viagem. Alguns dos viajantes carregavam em compartimentos secretos uma planta que fez parte de diversas civilizações antigas e proeminentes (não fosse a falácia física e brutal de colonizadores europeus). Hoje em dia, tal artifício para sair da realidade é marginalizado pela grande mídia, e até com um pouco de razão. O problema é que isso é mero interesse corporativo, mas não vem ao caso. Ao descermos do ônibus para saciar a nossa necessidade estomacal, tal iguaria foi consumida por diversos integrantes da expedição, resultando em insanidade instantânea.

Toneladas de tetraidrocanabinol haviam sido inaladas pelas jovens mentes de classe média. Risadas e momentos de descontração involuntários ocorriam simultaneamente com vários estudantes. O ônibus havia partido e todos lá estavam, aproveitando o máximo daquela ida inconseqüente. Rodas de improviso musical aconteciam, com ênfase no estilo afro-americano de rimas, e mesmo quem não detinha talento e experiência o suficiente para tal atividade participou com louvor. O tempo foi passando, porém não o efeito amortecedor das substâncias consumidas. Alguns dos usuários, por vezes, criavam momentos acidentais de discórdia, fazendo brincadeiras socialmente inaceitáveis para alguns dos viajantes, resultando em desavenças públicas e, como relatado, agressões físicas. É de conhecimento geral da trupe mochileira de que um dos indivíduos lesionou a testa de outrem devido a brincadeiras de cunho sexual. A brincadeira em questão não denotava intenções carnais, porém tal fato não foi compreendido pela vítima da peraltice. Professores se incubiram de apaziguar o ambiente e após alguns momentos tudo se demonstrava normalizado.

Aquele que proferiu brincadeiras sexuais acabou por exagerar na ingestão de bebidas alcoólicas, dando o popularmente chamado "PT". E não, amigos, não estamos falando do amado e odiado Partido dos Trabalhados, mas sim da "Perda total", onde alguém desaba em sua própria infelicidade física e despeja os resquícios nojentos de sua última janta no chão do ônibus em movimento. Porém aqui o problema era mais grave. O "perdido total" exauriu todo o conteúdo estomacal em sua própria indumentária, causando asco a todos os cidadãos de bem que circundavam o pobre rapaz. A noite havia acabado, pelo menos para ele.

Ao chegar a maior metrópole deste nosso estimado país, o "perdido" acordou com duas desagradáveis surpresas: além de perceber vômito fresco em sua única blusa, viu que o infeliz que o havia socado no meio da madrugada hibernava no acento ao seu lado. Não fosse o engov, o "perdido" chafurdaria em sua infeliz inconseqüência, porém graças à medicina milagrosa, ele saltitou vomitado e feliz em meio à sociedade estudantil publicitária de São Paulo, com as mais belas garotas o olhando e com professores reprovando tal atitude.

Era o início de um belíssimo final de semana.

Incubo o outro integrante deste blog a escrever a segunda parte desta viagem. Ou, quem sabe, um outro olhar sobre os acontecimentos acima.