sexta-feira, 4 de julho de 2008

Memoirs of a drunk.


Adentrou o recinto sem pestanejar. Tirou o pesado casaco de pele de carneiro, oriundo de algum lugar interiorano da Europa. Jogou-o em seu encosto de carvalho, raríssimo por aquelas bandas. A sala de estar se encontrava escura e com odores típicos de abandono. O breu tomava conta não apenas da locação mas também do espírito do pobre homem, machucado pelo tempo e por suas inconsequências. Buscou o mais antigo dos vinhos a seu alcance, dirigiu-se até a prateleira e retirou um exemplar de "Civilizações de outrora XIV - As nuances do Império Romano", de Bartholomeu Dias. Abriu em uma página aleatória e se deparou com uma passagem intrigante e, porque não, instigante. "Para celebrar suas vitórias e afugentar maus pensamentos, os guerreiros, como em rituais mais antigos que suas próprias existências, esbaldavam-se em rios de vinhos e outras bebidas, praticando as mais execráveis atitudes."

Lembrou-se de casa. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto gélido e imperfeito. Os bons tempos haviam se esvaído e nada existia além de lembranças superficiais. Seus melhores momentos eram esquecidos no dia seguinte, consequência das doses colossais de líquidos etílicos ingeridos. Em sua mente estava o dia em que fez oferendas a Baco em frente a toda a sociedade noturna de seu distrito. O consumismo exacerbado da época permitia encontrar litros e mais litros do doce suco dionisiano a cada esquina e a preços módicos. O rapaz e seu companheiro de aventuras não hesitaram em adquirir algumas unidades do mel infernal. Regozijaram como nunca haviam regozijado antes. A incontrolável loucura era a consequência da inconsequência, e após poucos minutos estavam fora de si. Degustando do bom e barato vinho, lá estavam eles, confabulando em uma ruela próxima de um centro festivo - este repleto de transeuntes dos mais belos, exibindo com ostentação suas belas vestimentas e posses veiculares -, onde sentados em um meio fio, bradavam canções típicas de seu tempo, assim como fizeram os trovadores em tempos passados. A canção entoada dizia algo mais ou menos assim:

"Você é meu amor,
te quero de novo.
Te ensino a fricotar
fricote do povo.
Eu vou te lambuzar
de água de côco.
Com bumba di bum bum (?)
fricote do povo."


E após muito rirem e se libertarem das correntes cruéis do cotidiano, se dirigiram à supracitada festividade. Eram dois gallimimus em meio a tantos predadores sedentos por feromônio. Dois inexpressivos etilizados no meio dos elitizados. A falta de comportamento senil de ambos era evidente e causava asco aos cheirosinhos frequentadores da casa noturna cujo nome representa o esplendor residencial desejado por muitos. A Mansão em questão naquela noite foi palco de atrocidades inexplicáveis como por exemplo a simulação de uma batalha intergalática de espadas e até confrontos corpo a corpo com cidadãos anglo-saxões. Ao fim da noite vidas quase foram perdidas e o que havia restado era a alegria de se viver e uma bela ressaca.

E o rapaz secou a lágrima e esboçou um leve sorriso com o canto da boca. Fechou o livro, terminou o seu vinho em dois goles, vestiu o seu casaco e saiu pela neve, com a expectativa de voltar para o seu lar o quanto antes, e assim dar continuidade às suas epopéias etílicas. Assim o fez.

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